domingo, 11 de dezembro de 2016

Entrevista I: Ian Morais

 

Sou um tipo de magista que não foge à regra da grande maioria da nova geração ocultista brasileira. Comecei contestando a religião e os conhecimentos sobre a realidade passados no dia a dia. Tal busca me levou até o ocultismo, à magia e especificamente a magia do kaos. Minha relação com os sigilos se dá exatamente na posição de um adolescente que buscava algum conhecimento místico que pudesse ver funcionar na prática, que pudesse testar se realmente funcionava em vez de ser obrigado a engolir como um dogma simplesmente por estar escrito em algum lugar ou ter sido dito por alguém supostamente sábio ou santo.


Me tornei então um magista altamente pragmático, e tal pragmatismo está entranhado nos livros que escrevi de forma indissolúvel.

Magick: Quando, onde e como conheçeu o método de Sigilos Mágickos?

Ian Morais: Na forma de técnica organizada, aos 17 anos. A internet deu um verdadeiro boom aos meus conhecimentos ocultistas, que antes eram baseados apenas em livros e aprendizado oral popular. Descobrir que tantos materiais que antes via como lendários ou muito difíceis de um dia estudar estavam simplesmente a minha disposição.

Porém, devo ressaltar que embora sejam associados com essa nova era do ocultismo, com a grande comunidade ocultista da internet, o princípio básico dos sigilos é presente de forma substancial em diversas formas de magia popular. Lembro que entre meus 8 e 10 anos (lembro com precisão porque associo com a série que cursava no colégio) quando desejava algo aprendi a riscar um círculo no chão e desenhar dentro aquilo que queria que acontecesse, encarava um bom tempo a cena desenhada no chão e depois apagava. Pode-se dizer que era uma forma simples de fazer um sigilo, utilizando como princípios coisas aprendidas no dia-a-dia em convivência com praticantes de magia popular/catimbó e tal, sem todo o conhecimento teórico por trás das técnicas. Por outro lado, se você pesquisa algumas práticas antigas como o sankalpa, os ofudas e as magias populares de diversos povos, vai encontrar muita coisa parecida com sigilização. Afinal, magia é canalizar a vontade sobre a realidade e os sigilos são uma das formas mais simples de fazer isso. Por isso não se pode dizer que houve um criador dos sigilos, são como aqueles inventos - como a roda e as vassouras-  que de tão óbvios, a mente humana concebe de diversas formas em diversas épocas e lugares. 

M: Qual(is) método(s) de criação de Sigilos Mágickos você já utilizou?

I: Sou muito apegado à técnica, algo que fica bem claro nos meus livros. Quando testo uma fórmula que funciona, procuro chegar ao máximo que ela pode oferecer antes de adotar outra, então alguns métodos de criação apenas testei enquanto outros pratiquei à exaustão e conheço melhor os mecanismos. Na maior parte da vezes que crio sigilos, utilizo uma combinação de yantra/mantra ou seja, elaboro um símbolo pictográfico a partir do objetivo do sigilo e também um som, uma frase com sonoridade agradável à repetições. 

Quando conheci a técnica do Sankalpa percebi que um sigilo pode ser lançado apenas mentalmente, exigindo para isso um estado de concentração muito intenso. A partir desse pressuposto criei o protocolo de geração de sigilos que exponho no meu livro Kaogênesis, uma forma de fazer todo o processo de criação de sigilos mas de modo apenas mental, sem riscar nada, nos últimos tempos é a técnica que venho utilizando mais, por notar que quando bem feita é a que funciona de forma mais efetiva comigo.

M: Qual(is) método(s) outros modos carregar os Sigilos Mágickos você já utilizou?

I: Eu entendo particularmente sigilos como uma técnica mental. Gosto de usar uma classificação básica que divide as energias em prânica, mental e espiritual. A maioria dos meus escritos são baseadas apenas em como usar energia mental, com leves pinceladas sobre a prânica e a espiritual exatamente porque a energia mental é a mais segura de todas e mais simples de usar. Se você não sabe usar a energia da própria mente, deveria repensar os estudos antes de tentar dominar as outras energias. Em razão disto, já utilizei outras formas de carregar sigilos, já usei matéria, já contei com o auxílio de forças espirituais, mas nunca elaborei sigilo algum que realmente precisasse de algo além da energia da própria mente. No meu entender pessoal, pelas experiências que tive, se o objeto a ser alcançado com o sigilo exige algo além da energia mental, provavelmente a técnica mais apropriada seria outra que não um sigilo. Neste sentido, ou utilizo uma meditação ou um estado alterado mais leve para direcionar energia, esse estado leve inclusive pode ser apenas um comando mental programado com PNL, uma forma rápida e prática de carregar sigilos. Claro, está é apenas a minha opinião, quase todo magista tem posicionamentos e técnicas preferenciais e isto é super saudável. 

M: Em "Pop Magic!", Grant Morrison, declara: "Eu venho os usando [Sigilos] por vinte anos e eles SEMPRE deram certo.". Comente essa frase.

I: Quem sou eu para duvidar. No meio magístico cada cabeça pensa de uma forma, ficar pensando se o que o outro faz é real, imaginário ou uma mentira deslavada é a melhor forma de travar a própria evolução e aprendizado. Ajudar no que for pedido, não atrapalhar e não se importar se não te fere nem fere ninguém, para mim é a melhor forma de lidar com outros magistas. Mas voltando à frase, todo magista deve ser um bom vendedor, ter o poder do convencimento, do contrário fracassará nas suas práticas. O primeiro a ser convencido deve ser você mesmo, convença-se de que é capaz. No caso de um escritor de grimórios, deve ainda convencer os leitores e possíveis futuros estudantes de magia. A frase pode ser verdade ou mentira, ter sido proferida com boas ou maliciosas intenções, o que importa é que ela efetivamente acende no jovem ocultista a vontade de experimentar esse treço que esse sujeito diz que faz há vinte anos e eles sempre deram certo.

Por outro lado, sou da opinião de que magia bem executada sempre dá certo. O objetivo da magia é direcionar uma energia. A magia é uma arte de meios e não de resultados. Isto é muito importante. Nenhuma magia é garantida que irá dar certo. Nenhuma magia é garantida que irá falhar. Fazer uma magia é direcionar uma energia para um resultado. O resultado pode ser alcançado ou não. A energia terá sido direcionada do mesmo jeito. A partir do momento que a magia é lançada, muitos fatores podem influenciar, nenhum deles vai mudar o fato de que ela já foi feita. Perceba que Morrison diz que os sigilo sempre deram certo e não que sempre alcançou os resultados. Siga os passos do sigilo e eles vão sim sempre dar certo, mesmo que o resultado não seja alcançado, é esta a mensagem oculta na frase acima. Faça então outro sigilo, e outro e mais outro, todos eles vão dar certo, pode ter certeza e o resultado ficará cada vez mais perto.

M: Você já abordou este assunto, mas gostaria que nos falasse mais sobre: você considera que existe uma ou mais teorias/modelos que explica(m) como os Sigilos Mágickos funcionam? Se sim quais modelos/teorias? Como elas explicam esse funcionamento?

I: Basicamente, o funcionamento dos sigilos pode ser resumido e explicado pela lei hermética do mentalismo. O todo é mente, o universo é mental. Nossa mente pode agir sobre a matéria e o universo em geral e os sigilos são uma forma prática de fazer isso. É um nome moderno para uma técnica muito antiga, imemorial. Nossa mente faz parte de um complexo de mentes, inseridos em uma mente maior ainda. Lidar ativamente e não só passivamente com as interações entre todos esses níveis mentais é o que podemos chamar de magia em um sentido o mais amplo possível. A chave para tudo é  a mente, do controle da mente se pode acessar todo o universo. 

M: Ainda não falamos sobre o esquecimento no processo de Sigilos Mágickos. Para você precisamos esquecer algo para o Sigilo funcionar? Comente um pouco sobre esse tema.

I: Esse tema é algo que considero que muita gente confunde. Não se trata exatamente de esquecer o sigilo e sim de abstrair-se dele. Esquecer que se fez um sigilo é uma tarefa mental muito esquisita, sabemos que quando dizemos para a mente não pensar em algo, mais ainda ela pensa, então lutar para esquecer é o mesmo que lembrar. É diferente de abstrair,que significa não se importar, não esperar nada, fazer de conta que não existe. Então ao operar um sigilo, não é necessário usar de algum artíficio para esquecê-lo, isso costuma gerar frustração, quando o dito cujo teima em piscar em letras brilhantes e garrafais na sua mente como um letreiro de cassino em Vegas. O certo é após fazer, deixar pra lá, já está feito, o resto não importa mais, não deve gerar preocupações. A mente deve se focar em outras coisas ao invés de ficar esperando o resultado do sigilo.

M: Para você, existe alguma vantagem do método de Sigilização em relação à outros? Se sim, quais vantagens? De quais outros métodos?

I: Gosto de dizer que não existem vantagens nem desvantagens absolutas,  tudo é relativo a que tipo de resultado se pretende alcançar.  Alguns métodos são adequados para algumas coisas e outros para outras coisas. 
A despeito disso os sigilos possuem uma grande vantagem que chama atenção: qualquer pessoa pode utilizar. Até um cético pode utilizar um sigilo e vê-lo apenas como uma forma de focar a mente em algo.  Seja qual for a doutrina,  religião ou prática seguida,  os sigilos podem ser usados de forma completa e profunda a depender apenas do interesse individual.  A maioria das práticas mágicas exige que o praticante se adeque a certos paradigmas para praticar, a sigilização exige apenas que você enxergue a si mesmo como ser pensante, estando ao alcance de toda e qualquer pessoa.

M: Quanto e qual a influencia da Sigilização, e como ela aparece, nos seus escritos?

I: Os sigilos são uma grande inspiração com certeza. A forma simples e prática como são ensinados dentro da realidade caoísta é algo difícil de encontrar um paralelo em qualquer outra corrente ocultista. São uma semente que fez germinar muitos frutos em minhas práticas. Aprendi na prática, a partir dos resultados que obtinha, que magia não é uma coisa cifrada, com mecanismos complicados e misterioros, mas sim uma força de uma lógica cristalina, onde tudo tem um motivo de estar neste ou naquele lugar. 

O conceito de protocolo que utilizo em meus escritos -  em especial o LIBER PPP -  deve bastante à noção de sigilo, tanto que muitas práticas de protocolos envolvem sigilos. Sigilos são como mapas que conduzem a força da mente para determinado objetivo. Protocolos pretendem fazer exatamente isso, funcionarem como mapas, mas não só mentalmente mas no domínio de outras energias. Levando em conta isto, pode-se dizer que sigilos são uma peça importamente não apenas nas minhas práticas, mas em todos os meus escritos dentro do campo do ocultismo. 

M: Você tem alguma recomendação(ões) de livros, sites, enfim, fontes de informações sobre Sigilos?

I: A melhor bibliografia sobre sigilos é a prática.  Sigilos são simples em suas definições,  é uma técnica sem grandes complexidades.  Minha recomendo é apenas pegar uma receita básica para a criação e o lançamento e começar a fazer os seus,  observar e registrar resultados.  É o tipo de situação onde ler demais a respeito não vai ajudar muito, então é colocar no Google "como fazer um sigilo"  combinado com "magia do caos"  e sair fazendo seus próprios sigilos.

M: Dê um feedback de como foi para você a Entrevista.

I: A sua ideia de fazer entrevistas apenas sobre sigilos mágicos é excelente. Nunca tinha me ocorrido que esta é uma forma simples e efetiva de aprofundar conhecimentos sobre esse assunto que é ao mesmo tempo elementar e complexo. Agradeço pela oportunidade de me fazer refletir sobre minhas práticas e conjecturas sobre sigilos mágicos e mais ainda por disponibilizar estas entrevistas. Li todas as entrevistas que já estão publicadas e com todas aprendi coisas novas.

Um comentário:

  1. Adoro seu jeito de escrever, Ian! Me divirto com seu senso de humor e a forma leve que vc trata a magia. Me estimulou a abrir minha mente e escutar o chamado interno (ou seria minha esquizofrenia?... kkk não, não...)

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